quarta-feira, 31 de março de 2010

Prêmio Nobel da Paz para economista do Bangladesh, economista!?

O economista Muhammad Yunus ganhou, em 2006, o prêmio de maior reconhecimento da humanidade, o Nobel da Paz. Outras figuras lendárias como Martin Luther King Jr.,Nelson Mandela e Madre Teresa de Calcutá também tiveram a honraria de ser considerado o ser humano que mais contribuiu para a paz mundial. Mas, porque um economista ganhou esse prêmio?
"A paz duradoura não pode ser obtida sem abrir
um caminho para que uma ampla parte da
população saia da pobreza"
Comitê Norueguês do Nobel - 2006
Muhammad Yunus a partir de uma idéia simples pode mudar a vida de milhares de pessoas de um país miserável, ele é fundador de um Banco cujos clientes recebem crédito facilitado com juros baixo, chamado de microcrédito, para financiarem projetos que propiciam retorno financeiro aos próprios clientes. Como é possível atitudes como a apresentada acima, contrária à lógica do sistema financeiro, que preza por juros alto e ganhos astronômicos, garantir a paz em determinada região e ser merecedora do Nobel da Paz. Melhor ainda, como é possível relacionar Economia, Direito e Paz.

Por toda a história da humanidade a economia foi impulsionadora de diversos conflitos entre os homens. Independentemente do modelo econômico adotado, mercantilismo, imperialismo, socialismo e por fim o capitalismo, sempre houve e sempre haverá conflitos nas relações humanas no campo econômico.

Conflito, aqui, não deve ser entendido apenas como guerra entre países, clãs, entre grandes corporações econômicas e etc, mas, principalmente como embates desenvolvidos no seio da sociedade de determinado país. Por ora, vale ressaltar e exemplificar que os maiores conflitos existentes na sociedade são causados pela marginalização de determinados grupos ao acesso dos bens e produtos produzidos pela própria sociedade, é fácil ilustrar essa propositura, no Brasil temos claros exemplos desses conflitos, como o Movimento dos Sem Terras e o Movimento dos Sem Teto, grupos organizados representativos dos indivíduos que não tem acesso a Terra e à moradia, respectivamente. Outros conflitos, contudo mais velado, permeia nossa vida, nosso cotidiano, são protagonizados pelos cidadãos subjugados e amontoados em suas casas nas favelas, pela classe desempregada, e pelos miseráveis invólucros pela pobreza.

Todos esses atores têm algo em comum a privação ao acesso a determinado bem ou serviço produzido na economia, alguns mais outros menos. O fato é que para uma economia de mercado, como a observada no Brasil, pouco importa quem está consumindo os bens e produtos produzidos pela sociedade, o importante é que esses bens sejam consumidos por alguém, para que assim a “roda da economia” possa girar.

Esse é o raciocínio por detrás da teoria de Ótimo de Pareto, que, em poucas palavras, define como condição para haver equilíbrio econômico em determinada economia de mercado apenas que as trocas entre os agentes da economia não pioraram a situação dos outros, desse modo, pouco importa se determinado agente possua todos os bens da economia e os demais nenhum. Ora essa situação também não é muito difícil de exemplificar, basta lembrar que nosso Coeficiente de Gini é um dos maiores do mundo, mas, ainda assim, nós nos transacionamos de modo satisfatório no ramo econômico.

Dito como em uma economia de mercado pode gerar discrepâncias astronômicas no acesso aos produtos gerados pela sociedade e, por assim dizer, gerar conflitos deflagrados e outros ocultos pela luta desses recursos, resta-nos saber como o Direito pode alterar as regras do jogo econômico, amenizar os efeitos da economia de mercado e com isso diminuir os conflitos sociais acima apontados, garantido assim a paz.

Primeiramente, vale ressaltar, à luz dos relevantes ensinamentos do professor Doutor Rosemiro Pereira, que “o Direito não está a serviço da economia, mas a economia está a serviço do Direito”. Embora esse tema seja ainda muito polêmico, ajuda-nos a vislumbrar a capacidade inerente ao Direito para garantir paz social por meio da regulação da atividade econômica.

O Direito como conjunto de regras e princípios programáticos e impositivos tem como possibilidade garantir às pessoas menos abastadas acesso a bens e serviços que sem normas que viabilizassem esse acesso não seria possível garanti-lo.

Por exemplo, acesso à saúde, entendida em sentido mais estrito, como serviço prestados por profissionais e produtos como remédio e etc, em uma economia voltada para o mercado como a americana, o acesso à saúde não é universal, pelo contrário, é um produto caro para os cidadãos americanos, bem como a educação o é também.

É claro que não devemos ser ingênuos em pensar que por essa característica a sociedade americana vive em conflito, lutando por acesso à saúde - sem paz - isso porque, apesar desses dois exemplos acima serem produtos caros e um bem exclusivo, causador de certa marginalização em qualquer sociedade, os americanos tem condições suficientemente boas para pagar por esse produto, o que reflete o modelo econômico pretendido por aquele país, ou seja, um Estado Liberal.

Porém, se aqui no Brasil o regime de saúde e educacional fosse inspirado no americano, tenho certeza que não presenciaríamos a mesma paz social observada no primo rico.

Com esse exemplo, é possível delinear como o direito pode redefinir a distribuição dos produtos produzidos pela sociedade, e com isso, diminuir a marginalização dos indivíduos. Através de princípios e normas, o Direito impõe ao Estado e aos agentes econômicos condutas capazes de diminuir as disparidades provocadas pelo regime econômico adotado pela sociedade moderna e com isso reduz os conflitos sociais.

Além do caso de acesso à saúde e educação - que no Brasil são constitucionalmente universais e gratuitos, dentro de suas limitações, é claro! - podemos suscitar outras imposições das normas e princípios do Direito, no caso brasileiro, que altera as regras do jogo econômico, modificando uma economia de mercado, tornando-a menos excludente e mais includente. São elas: salário mínimo, imposto regressivo, moradia, reforma agrária, entre outras atuações que, sem a participação efetiva do Estado, imposta pela norma, não surgiria naturalmente do contexto econômico.

A economia em função do Direito é capaz de ser moldada a favor de uma situação na qual os indivíduos que compõem a sociedade possam gozar do acesso aos bens e produtos da economia e de oportunidades nas quais possam viver em condições melhores e, satisfeito suas necessidades (diminuído a pobreza), em paz.

Voltando ao caso do nosso amigo Muhammad Yunus, são notáveis as boas intenções desse banqueiro, mulçumano, nascido em Bangladesh, contudo, atitudes como essas não brotam espontaneamente em qualquer contexto econômico, principalmente tratando-se do modelo capitalista, ainda mais quando taxada como missão impossível pela comunidade financeira. Porém, não fosse essa idéia simples milhares de pessoas nesse pequeno país estariam em estado de miséria, e como afirmado no veredicto do Comitê do Prêmio Nobel para entrega do prêmio, “A paz duradoura não pode ser obtida sem abrir um caminho para que uma ampla parte da população saia da pobreza".

Agora, se tem algo que é factível ao campo de atuação do Direito e, de certa forma, a propria essência do Direito, é induzir comportamento desejáveis socialmente. E, na seara econômica ainda há muitas boas atitudes a serem induzidas pelas normas e princípios do Direito para diminuir a pobreza - entendida como privação ao acesso a bens e produtor - e garantir a tão almejada PAZ SOCIAL. Assim sendo, há de fato uma relação muito forte entre Economia, Direito e Paz, contudo, não nessa ordem intuitiva, mas sim, Direito, Economia e Paz.

Leandro Pereira

terça-feira, 30 de março de 2010

Deus nos Proteja !





Em uma de nossas aulas de Filosofia do Direito, houve uma interessante discussão sobre o que vem a ser Justiça. Depois de muitas argumentações, ficou claro que não há uma única definição para Justiça.

Dentre as diversas anotações, chamou minha atenção aquela que dizia que “Leis são cópias imperfeitas de uma idéia perfeita que é a Justiça”, ou que “a idéia de Justiça está no mundo inteligível, enquanto as normas estão no estado sensível”.
Ou seja, o Direito, se compreendido com um conjunto de normas que visa regulamentar a vida em sociedade, deveria estar sistematicamente se aproximando da idéia perfeita de Justiça, seja ela qual for. “A Justiça é o fim e a meta do Direito, e deveriam caminhar juntos.”

Através da leitura dos diversos textos aqui postados, observamos que “paz e justiça andam juntas” e que “Justiça não é a paz, mas é condição da paz”, ou ainda, “o bem que, com o Direito, os homens procuram alcançar é a paz”. Em síntese, se pretendemos a paz, devemos buscar a Justiça, através do Direito.

Proponho, então, uma avaliação, ainda que extremamente superficial, sobre a visão que temos sobre Justiça e o quanto o nosso Direito dela se aproxima.

Devem ser respondidas apenas V ou F, respectivamente, para as afirmações verdadeiras ou falsas. JUSTIFIQUE as respostas assinaladas com F.


1) O banqueiro Daniel Dantas, acusado de lavagem de dinheiro, sonegação de impostos, fraude contábil, evasão ilegal de dólares, espionagem internacional, entre outros crimes, ficou preso por mais de 1 ano e ficou cego em razão das más condições da prisão.
Maria, empregada doméstica, furtou 1 frasco de shampoo. Foi liberada em 24 horas, e quem ordenou sua prisão foi duramente criticado pela mais alta corte do país.

( ) V ( ) F

2) Traficantes do Rio de Janeiro cercaram um ônibus lotado, escolhido aleatoriamente, e o incendiaram. Uma pessoa morreu com queimaduras por todo o corpo.
O Estado, resposável pela segurança dos seus cidadãos, vai indenizar a família da vítima.

( ) V ( ) F

3) Pela nossa legislação eleitoral, só são habilitados a ocupar cargos eletivos aqueles candidatos com ficha criminal condizente com a importância do papel que deverão exercer diante da Nação.

( ) V ( ) F

4) Dois atletas de um país onde a democracia é palavra estanha aos dicionários e aos códigos de leis, onde vigora a perseguição política aos eventuais opositores do seu regime totalitário, culminando inclusive com execuções no “paredão”, e o direito de ir e vir não existe, pedem asilo político ao Brasil. O pedido é acatado e os jovens se livram das amarras do Governo do país de origem.

( ) V ( ) F

5) Um indivíduo nascido em um país democrático da Europa, onde os direitos dos cidadãos são respeitados, onde impera a liberdade de expressão e o acesso ao poder é obtido pelo voto, mata quatro pessoas em ações terroristas, em nome de sua luta política. Algum tempo depois, foragido de outro país, esse indivíduo encontra-se no Brasil pleiteando asilo mas, a pedido do Governo de seu país de origem, o Brasil decide extraditá-lo para que seja punido pelos crimes cometidos.

( ) V ( ) F

6) Uma instituição muito bem organizada, defensora de uma melhor divisão da terra para aqueles que não a possuem, e que recebe generosas contribuições do Governo brasileiro e também de entidades internacionais para os seus programas de ocupação, respeita as leis vigentes e está, como todos, sujeita às punições por eventuais abusos cometidos em suas ações.

( ) V ( ) F

7) Os últimos presidentes do Senado da República atuaram à margem das nossas leis, priorizaram seus interesses próprios em detrimento do público, demonstraram verdeiro desprezo pela instituições e, por isso, serão punidos de forma exemplar.

( ) V ( ) F

8) O Ministro Joaquim Barbosa, do STF, abriu processo contra quarenta parlamentares acusados de receber “mensalidades” para votarem a favor do Governo. É certo que todos serão justamentes punidos.

( ) V ( ) F

9) A ficha abaixo apresentada foi copiada do site da Interpol:
(http://www.interpol.int/public/Data/Wanted/Notices/Data/2009/08/2009_13608.asp)


Wanted



Maluf, Paulo



Legal Status

Present family name: MALUF
Forename: PAULO
Sex: MALE
Date of birth: 3 September 1931 (78 years old)
Place of birth: Brazil
Language spoken: Portuguese
Nationality: Brazil


Offences

Categories of Offences: FRAUD CONSPIRACY, THEFTS
Arrest Warrant Issued by: NEW YORK / United States


IF YOU HAVE ANY INFORMATION CONTACT

YOUR NATIONAL OR LOCAL POLICE


Nessa ficha, somos orientados a contactar a nossa “Policia Nacional ou Local” caso tenhamos alguma informação a respeito da pessoa procurada.
Obviamente, este cidadão deve estar muito bem escondido e dificilmente será localizado.

( ) V ( ) F

10) Uma amostra insignificante de fatos que permeiam o cenário atual foi apresentada acima. Pelas respostas obtidas, estou certo de que o nosso Direito está muito próximo da almejada Justiça e da paz que essa traz consigo. Pelo exposto, podemos dormir o sono dos justos.
( ) V ( ) F



Durante esta semana, observei algumas reações do público que acompanhava o julgamento do caso Nardoni. Sem entrar no mérito da questão, o que me impressionou foram as manifestações de alívio e felicidade porque, na visão daquelas pessoas, “foi feita a justiça”.

A mesma leitura se faz quando observamos a sensação de vitória da população de Brasília, quando foi preso (e assim permaneceu) o Governador José Roberto Arruda.

Voltando um pouco mais no tempo, extraí o seguinte texto da Internet, comentando sobre a possibilidade de julgamento dos “mensaleiros”:
“Caso comecem a ser condenados os primeiros acusados da lambança promovida pelo PT, anos atrás, porque cada um terá uma sentença específica, a conseqüência será um grito nacional de alegria e alívio. Nem tudo estará perdido, em termos de defesa da causa pública.”

A conclusão sobre esses fatos que observei, e a minha própria reação a eles, é de que ficamos tão acostumados a presenciar um sem número de injustiças cometidas a cada dia, que quando a postura do Judiciário vai de encontro ao que entendemos como Justiça, o sentimento que nos domina é o de vitória. Vitória do bem sobre o mal, tão raramente observado nos últimos tempos.

Obviamente, alguma coisa está errada. Não poderia ser assim. O Direito tem que nos levar à Justiça e à paz que a acompanha. Isso deveria ser a rotina.

O que eu espero é que um dia, ao presenciar um raro caso de injustiça, possamos ficar estarrecidos, revoltados e indignados com o que se apresenta, e não acomodados, apáticos.

Mais do que isso, como profissionais estaremos diretamente envolvidos nestes acontecimentos.
Que prevaleça, então, a moral e a ética na nossa atuação.
Caso contrário, que Deus nos proteja.

Nota:
A ilustração sobre a PAZ foi obtida em http://images.google.com.br/images?hl=pt-BR&q=significado+da+paz

A impunidade como ameaça a paz social

Em entrevista a Folha Online (Livraria da Folha) para divulgar o livro, “Só é preso quem quer”, o promotor de justiça Marcelo Cunha de Araújo enumera alguns motivos que fazem com que no Brasil mesmo os criminosos confessos acabam não sendo presos. Para o promotor o grande responsável por essa ineficiência é a falta de vontade política, visto que os maiores beneficiados da ineficiência do sistema são aqueles que possuem poder de mudança. Além disso, os criminosos podem aproveitar as lacunas da lei como forma de driblar as acusações. Segundo o promotor, "desde que não tenha sido preso em flagrante, seu caso não caia na imprensa e tenha advogados atuantes, estatisticamente existe uma possibilidade imensa dessa pessoa ficar impune.” Essa afirmação nos remete a antiga discussão sobre o fato de que no Brasil apenas os mais pobres vão para a cadeia, pois esses, na maioria das vezes, não possuem condições de contratar advogados para defendê-los.
Tanta impunidade pode ser percebida de modo mais constante nos crimes envolvendo o poder público, como a corrupção e a lavagem de dinheiro, seguido dos crimes de transito, nos quais são frequentes os casos em que mesmo resultando em grave dano a vítima, o culpado acaba impune e por fim os demais crimes, desde homicídio e estupro até a prostituição infantil.
A impunidade no Brasil representa um grande risco a paz social, uma vez que ela demonstra a fragilidade do sistema judiciário nacional que é ineficiente para julgar e condenar aqueles que descumprem as leis.
A entrevista do Promotor mostra como a paz social é ameaçada perante a insegurança e a falta de confiança no judiciário. A população perde a crença no sistema e na possibilidade de uma sociedade justa e sem impunidade. Essa situação coloca em risco a segurança de toda a sociedade e deixa claro a necessidade de mudanças no judiciário de forma a torná-lo mais justo, igualitário e eficiente.
A entrevista completa com o promotor Marcelo Cunha de Araújo pode ser acessada no link http://www1.folha.uol.com.br/folha/livrariadafolha/ult10082u685484.shtml.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Água para a guerra ou água para a paz?


"Especialistas em política especulam há algum tempo se as futuras grandes guerras da humanidade terão como objetivo a água, em lugar do petróleo. Entretanto, este ponto de vista provoca mais debate do que consenso. "As guerras pela água são inevitáveis. Estão em nossas mãos e em nossas mentes", afirma Sunita Narain, ganhadora da edição 2005 do Prêmio da Água de Estocolmo, cidade onde aconteceu a Semana Mundial da Água, entre os dias 21 de 27 deste mês. 'A água é uma matéria-prima recuperável. A questão é o tipo de relação da sociedade com ela. A administração é crítica. As guerras ou a paz estão em nossas mãos", disse á IPS Narain, diretora do Centro para a Ciência e o Meio Ambiente em Nova Délhi, Índia, e editora da prestigiosa revista ambiental Down to Earth." (DEEN, 2005)[1]

“Geopolítica da Água: Água para a Guerra – Água para a Paz”[2], foi o tema abordado por Amyra El Khalili em conferência de abertura do “Fórum Internacional de Gestão Ambiental – “Água o grande desafio”, realizado entre os dia 22 e 24 de março de 2010, em Porto Alegre – RS.

O Tema Reduzido a “Água para a guerra ou água para a paz?” chama a atenção para o fato de este recurso natural, indispensável para a vida no planeta, se torna em tempos de sua escassez chave para a dominação e ainda para as Organizações das Nações Unidas - ONU, o acesso à água potável é questão de direito humanos, pois trás conseqüências graves para a saúde, educação e segurança pessoa”[3], problemas que podem afetar toda a população mundial em áreas de escassez. Em sua apresentação, Amyra esclarece que “[...] devido a esta importância, a água deve ser um direito constitucional como é o acesso à saúde ou à escola. Assim, toda a população deve ter o direito de acesso, ao menos, no nível da quantidade de segurança de consumo.”[4].

Reforçando a preocupação com a qualidade e disponibilidade do acesso à água adequada ao consumo, dados preocupantes foram apresentados em uma pesquisa do professor Igor Shiklomanov, diretor do Instituto de Hidrologia da Rússia:

"Mais de um bilhão de pessoas não dispõem de água salubre e 25 mil entre elas morrem diariamente, devido à má qualidade das águas que usam e tomam. Atualmente, 35% da população mundial têm uma reserva de água potável entre baixa ou extremamente baixa. Em 2025, 75% da população mundial estarão nessa mesma situação, tanto que prof. Igor Shiklomanov, diretor do Instituto de Hidrologia da Rússia, numa pesquisa para a UNESCO, avisa que, para evitarmos uma catástrofe pela falta de água, devemos desde já racionalizar o seu uso e sermos mais parcimoniosos. O professor alerta ainda que é preciso encontrar novas técnicas e mecanismos de reciclagem das águas usadas e de dessalinização das águas marinhas. Mas alerta que os países em desenvolvimento, pela pobreza e falta de recursos, estão ainda mais sujeitos aos prejuízos da falta de água, porque tudo isso se torna particularmente oneroso e insuportável para eles." [5]

Além de um problema de saúde pública, outro risco são os conflitos motivados pela intenção de domínio das reservas de água, o que pode afetar fundamentos como a soberania nacional. Estes conflitos são bastante divulgados e discutidos a nível internacional, porém, uma realidade pouco divulgada, apresentado por Roberto Malvezzi, são os conflitos por água verificados no Brasil que, segundo este mesmo autor, a maioria dos conflitos brasileiros envolvem a construção de açudes ou barragens e a apropriação particular da água. Abaixo um trecho do destacado por Malvezzi (2006):

"A Comissão Pastoral da Terra, que desde 1985 registra os conflitos pela terra nesse país, há quatro anos passou também a registrar os conflitos pela água, particularmente no meio rural. A evolução do número de conflitos é assombrosa, mesmo com a ressalva que nos primeiros anos a falta de prática nessa temática influenciou diretamente o baixo registro dos casos. O aumento dos registros se dá pela atenção dos agentes nesse tipo de conflito, mas também pelo aumento real dos casos. A disputa pela água nesse país, ilustrada pelo caso simbólico do rio São Francisco, é fato real.

Ano N. Conflitos Famílias Atingidas
2002 8 227
2003 20 9601
2004 60 21949
2005 71 32463" (MALVEZZI, 2006)[6]

Cabe aqui ressaltar que o Estado brasileiro que apresentou o maior número de conflitos pela água, neste levantamento realizado pela Comissão Pastoral da Terra, foi Minas Gerais.

Diante do exposto, ressalta-se a importância de o Estado atuar de forma a regulamentar a utilização dos recursos hídricos, viabilizando que seu consumo seja igualitário e sustentável. Problemas como os verificados no Brasil, construção de açudes ou barragens e a apropriação particular da água, podem ser evitados pela atuação efetiva do poder público. Além disso, a água como um direito fundamental deveria ser protegida e garantida a todos, como explicitado por Amyra El Khalili e citado neste texto. Assim, preservar a água também é uma forma de preservar a paz.

Notas:

[1] DEEN, Thalif . “Desenvolvimento: Guerras pela água ou paz hídrica?”. Disponível em: http://www.mwglobal.org/ipsbrasil.net/nota.php?idnews=945. Acesso em 26/03/2010.
[2] FANTE, Eliege. “Geopolítica da Água: Água para a Guerra – Água para a Paz”. Disponível em: http://oykosmiguel.blogspot.com/2010/03/geopolitica-da-agua-agua-para-guerra.html. Acesso em: 26/03/2010.
[3] ARAÚJO, Carlos. “Acesso à água potável é questão de direitos humanos, diz ONU”. Disponível em: http://www.ecoagencia.com.br/?open=noticias&id=VZlSXRVVONlYHZFUOdVMXJ1aKVVVB1TP. Acesso em: 26/03/2010.
[4] Ibdem 2.
[5] Revista Mundo e Visão. “A guerra pela água”. Disponível em: http://www.pime.org.br/mundoemissao/ecolguerra.htm. Acesso em: 26/03/2010.
[6] MALVEZZI, Roberto. “Os conflitos pela água”. Disponível em: http://www.adital.com.br/SITE/noticia2.asp?lang=PT&cod=22093. Acesso em: 26/03/2010.

domingo, 28 de março de 2010

A LUTA PELO DIREITO



O vídeo acima faz referência à famosa obra de Rudolf Von Ihering - A Luta pelo Direito. O primeiro parágrafo do livro afirma que “o objetivo do direito é a paz. A luta é o meio de consegui-la. Enquanto o direito tiver que rechaçar o ataque causado pela injustiça – e isso durará enquanto o mundo estiver de pé – ele não será poupado.”

Segundo esse autor constituem cenas da luta pelo Direito a “defesa do direito das gentes, quando violado por guerra, a resistência de um povo, sob forma de motim, de revolta, de revolução contra os atos arbitrários e as violações da Constituição, por parte do poder estatal (...)”.

A música do vídeo chama “Até quando?” do Gabriel Pensador. A primeira estrofe da música diz que:

Não adianta olhar pro céu com muita fé e pouca luta
Levanta aí que você tem muito protesto pra fazer e muita greve
Você pode e você deve, pode crer


O que me pergunto é se a paz será atingida realmente com a luta, essa luta violenta que é mostrada no vídeo, a luta que deixa vencidos e vencedores. Segundo o dicionário Silveira Bueno um dos significados para a palavra paz é a tranqüilidade pública, a ausência de guerras a cessação de hostilidades. No final de uma revolução a paz é alcançada? A tranqüilidade é instaurada?

Vamos levar essas idéias ao Direito do Trabalho. A greve, nesse ramo, é o meio dos trabalhadores lutarem pelos seus direitos. Ela é válida? Sim, a Constituição garante essa forma de luta. Mas os trabalhadores podem utilizar desse meio de luta sem limites? Esse motim pode ser empregado a critério dos trabalhadores? Não, há limites para atuação dessa luta. E porque existem limites? Por que sem limites essa luta não levaria a paz, levaria ao caos, a violência e a insegurança jurídica.

O direito pode propiciar outros meios para além da luta para alcançar o seu objetivo de paz, de cessação de hostilidades? Acredito que sim. No Direito do Trabalho, existem institutos como os Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhista, a Co-gestão e as Comissões de Conciliação Prévia, que possibilitam que as partes estabeleçam direitos recíprocos e que atendam as suas demandas, possibilitando a integração entre empregados e empregadores.

Não afirmo que a luta é desnecessária, muitas conquistas sociais e trabalhistas foram alcançadas por muita luta e sofrimento de várias pessoas. Mas ela não é o único meio de se alcançar o Direito, de se alcançar a paz.

sábado, 27 de março de 2010

Direito e justiça caminham juntos?

Em seu livro Introdução ao Estudo do Direito, Paulo Dourado Gusmão afirma que “o direito é norma executável coercitivamente, enquanto justiça é a finalidade, ou melhor, exigência moral de realizá-la no meio social (nem sempre atendida), valor que pode ou não influir no legislador apesar de dever influí-lo”. “A justiça é a meta a ser atingida pelo direito e, desta forma, distingue-se deste como o ´meio` da ´finalidade`. É critério das leis , das condutas e das sentenças judiciais”.

Pelo que se extrai do trecho acima, a Justiça é o fim, a meta do direito e, portanto, deveriam caminhar juntos. No entanto, o que se tem observado na sociedade são casos de impunidade. Quem nunca ouviu a frase “Brasil: o país da impunidade”. Quantos motoristas embriagados e em alta velocidade atropelam e matam inocentes e não são punidos? Isso demonstra que direito e justiça não estão caminhando como deveriam e que o direito nem sempre consegue dar a cada indivíduo o que é seu.

Direito e justiça precisam caminhar juntos para que a impunidade seja coisa do passado e a sociedade se sinta segura e acredite no sistema judiciário brasileiro.



Gusmão, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito, Rio de Janeiro, Forense, 2004.

sexta-feira, 26 de março de 2010

O Cárcere Dentro da Cabeça

Não seria o Direito intrumento de transformação social? Infelizmente, o que vivenciamos é um Direito legitimador do sistema e da violência, contrário à instauração da paz. A CR/88 em seu preâmbulo diz instituir um "[...] Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem internacional, com a solução pacífica das controvérsias [...]". Resta saber se é isso que vemos acontecer ou, ainda, o quanto contribuímos para a mudança daquilo que criticamos... O Direito seria legitimador da paz, mas o terror que vem se instalando no mundo vem reduzindo direitos e legitimando ainda mais a violência...


"O CÁRCERE DENTRO DA CABEÇA"

Prof. José Luiz Quadros de Magalhães, prof. Virgílio de Mattos e frei Gilvander Moreira

Os acontecimentos de 11 de setembro de 2001 se transformaram em uma referência histórica para demonstrar o endurecimento do regime de repressão e dos mecanismos de controle. Cada vez maiores, como se fosse possível ampliar ainda mais o adjetivo total que dá "qualidade" ao controle.

Importante lembrar que o 11 de setembro não foi causa, mas sim, conseqüência de um sistema que não mais se sustentava e para permanecer precisava, e precisa, de fatos radicais que gerem terror. Afinal, a pergunta fundamental segue sendo quem são os terroristas? A alimentação permanente do medo permite retirar direitos, aumentar o controle, acabar com a privacidade e a intimidade, suprimir liberdade, tudo em nome da segurança. Como antes em nome de Deus, depois do Rei, da Pátria, da Família e sempre da propriedade. Fazer com que as pessoas sintam medo e insegurança e o principal mecanismo de supressão da liberdade e da democracia para a conservação de um sistema econômico e social inviável, injusto, indigno, porque excludente, egoísta e devastador, não só do meio ambiente, mas, também, da idéia de comunidade, solidariedade e todo e qualquer valor ético e moral fundado sobre estas idéias.

Por que então, para falar do uso de coleiras, pulseiras ou tornozeleiras em condenados, que está sendo testado no Estado de Minas Gerais neste ano de 2008, precisamos fazer uma introdução falando do "11 de setembro estadunidense" ? Porque toda ação ocorre em um contexto histórico, e só pode ser entendida dentro deste contexto.

O atual contexto é de medo, em uma sociedade onde liberdade é confundida, propositalmente, com consumo e democracia é confundida, propositalmente, com possibilidade de escolha de produtos para consumir. A necessidade de gerar medo, a mesma que ocorre nos EUA, ocorre aqui, em Belo Horizonte/MG. Não que os que se encontram no poder do Estado e os responsáveis por políticas públicas desconheçam os dados, que muitas vezes são produzidos por eles mesmos: em Belo Horizonte os bairros mais pobres são os mais violentos, as pessoas envolvidas com a prática de ações violentas são poucas, e geralmente os homicídios ocorrem nos mesmos bairros miseráveis onde moram as pessoas que cometem estes atos, na acachapante maioria dos casos a vítima conhece o algoz, ou seja: não há explosão de violência, mas implosão. Entretanto a mídia gera o medo e nos faz acatar silenciosamente a perda de direitos de diversas pessoas, diariamente humilhadas.

O medo nos torna mansos e a ideologia (como distorção proposital do real, que parece ficção, que só deveria existir na ficção, mas não: é o real) constrói para nós uma história para nossos medos e desejos que não corresponde à realidade. Assim somos levados a acreditar que os seres humanos se dividem entre pessoas e não pessoas. Somos levados a acreditar que pessoas não cometem barbaridades, que são cometidas pelas não pessoas, ou monstros, e mais, somos levados a acreditar que violência, repressão, opressão e controle solucionarão os nossos medos. Como o direito penal do inimigo pode vir a ser seu amigo? A inversão das coisas é produção da ideologia mencionada: para aplacar o nosso medo admitimos que façam com pessoas (que não consideramos pessoas, o que não muda o fato de serem pessoas) o que não queremos para nós. Defendemos um sistema de controle total, que deveríamos temer, justamente por causa do medo. Quanto mais medo tivermos mais motivos teremos para temer o que ainda não enxergamos com temor: o controle total.

Chegamos então na questão central de nossas reflexões: o uso de coleiras, pulseiras ou tornozeleiras em condenados é inconstitucional, pois constitui pena não prevista em lei e rejeitada pela Constituição da República, pois ofensiva à dignidade, à privacidade e à intimidade da pessoa, que não perde esses direitos fundamentais mesmo diante de uma condenação penal transitada em julgado.

O paradoxo: a pena privativa de liberdade foi historicamente uma conquista, acredite se quiserem, e embora hoje seja um mecanismo ultrapassado para a quase totalidade dos casos, e para a esmagadora maioria dos nossos presos (se quisermos vagas nos presídios temos que soltar sua população e gerar inclusão social, econômica e cultural, antes de estigmatizar uma revisão geral de todas as condenações a penas privativas de liberdade, para não amedrontarmos você com um pedido de anistia ampla), é importante lembrar que esta pena surgiu como evolução em substituição a um sistema de penas corpóreas, torturas brutais, com humilhações públicas e destruição da família do condenado, onde muitas vezes as penas alcançam até seus descendentes por várias gerações.

No passado não muito distante, afinal, o que são um par de séculos na história da maldade humana? Pessoas eram condenadas a andar com marcas no corpo ou suas roupas em meio à comunidade onde viviam, em uma pena de humilhação eterna, um ritual macabro perpétuo, com repercussões psicológicas arrasadoras.

Agora, para tornar mais barata a manutenção do preso, e criar vagas para encarcerar mais, o Estado de Minas Gerais colocará braceletes, coleiras ou tornozeleiras em condenados. Na segregação, na contenção, no encarceramento em massa – e é isso que nos dá medo – Minas avança, parecendo não querer deixar ninguém para trás.

Primeiro aspecto de sua inconstitucionalidade: as penas admitidas pela Constituição são as penas privativas de liberdade; perda de bens; multa; prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos proibindo a Constituição federal que a pena ultrapasse a pessoa do condenado, assim como a proibição de penas cruéis, de caráter perpétuo; de trabalhos forçados e de banimento. O artigo 60, parágrafo 4º da Constituição Federal, proíbe a deliberação de emendas à Constituição (o que implica que também são proibidas leis ou qualquer outra norma, políticas ou medidas) que tendam a abolir os direitos fundamentais e suas garantias. Isto significa dizer que qualquer restrição a direitos são proibidas, o que pode ocorrer, claramente, com a criação de novas penas, encobertas, pois que também a competência privativa para legislar em matéria penal é da União Federal, ou disfarçadas como mecanismos de controle que comprometam ou suprimam direitos fundamentais como a intimidade e a privacidade.

Um outro aspecto já mencionado, é o fato de que, é infelizmente muito comum, a pena privativa de liberdade vir acompanhada de outras penas (ilegais e inconstitucionais) como a humilhação, a tortura, o tratamento cruel e degradante, visível nas condições de carceragem, com efeitos psicológicos traumáticos e com seriíssimas conseqüências para as pessoas diretamente atingidas – o próprio preso e seus familiares - que podem vir a padecer de um sofrimento mental para toda vida, como uma pena perpétua da qual nunca se livrará.

Este é o ponto que queríamos chegar: a "inofensiva" tornozeleira (que dirão alguns pode ser escondida debaixo da calça cumprida e desde que a pessoa nunca tire a calça não o sujeitará à humilhação pública, mas só à privada), sem esquecer a pulseira, a tornozeleira ou a coleira, que guardam um caráter de humilhação pública de absurda inconstitucionalidade, significa, também, o cárcere dentro da cabeça, que guarda conseqüências psicológicas desconhecidas que podem levar o sofrimento a dimensões muito além da pena prevista. Outra vez sem previsão legal, o que nos faz voltar no tempo à segunda metade do século XVIII, ou até mesmo antes.

Parecendo sair de um triste romance de ficção, uma das várias distopias (como 1984, de George Orwell) do século passado, o uso de tornozeleiras, braceletes ou coleiras, mostra a insensibilidade de um mundo da superficialidade, onde as pessoas desconhecem que a pior cadeia é aquela que acontece dentro da sua cabeça, ou, para quem acredita, aquela que aprisiona sua alma.

O povo da Bíblia sofreu amargamente as agruras de muitas prisões. Foi preso, exilado e condenado injustamente. Por mais de cem vezes a Bíblia refere-se a pessoas que foram presas. Por exemplo, o salmo 102,20 diz: "Deus ouve o gemido dos presos, para soltar os sentenciados à morte." Em Isaías 42,7, o servo de Javé recebe a missão de tirar da prisão os presos, e do cárcere os que jazem em trevas. Quando Jesus apresenta seu programa de ação na sinagoga de Nazaré, uma das metas é 'libertar os presos" (Lucas 4,18). Aliás, o estopim que fez Jesus de Nazaré entender que havia chegado a hora de iniciar sua missão pública foi a prisão do grande profeta João Batista. O Galileu ficou tão indignado que disse: "Se prenderam e vão matar João Batista, um grande profeta, não posso deixar por menos, vou empunhar a bandeira da libertação de todos os prisioneiros." A carta aos Hebreus recorda: "lembrai-vos dos presos, como se estivésseis presos com eles, e dos maltratados, como sendo-o vós mesmos também no corpo." (Hebreus 13,3).

Logo, em nome da fé cristã, do evangelho testemunhado por Jesus de Nazaré, que também foi preso injustamente, devemos lutar pela libertação dos presos empreendendo transformações sociais, políticas, econômicas, culturais e religiosas de modo que as pessoas não sejam empurradas para o crime, mas que desenvolvam o infinito potencial de humanidade existente em nós. A força e a luz de Deus brilham também nos presos e, muitas vezes, até mais neles. Biblicamente falando não podemos apoiar medidas de controle total sobre o corpo, a mente e o comportamento, como a tornozeleira. Os presidiários não podem ser considerados bodes expiatórios de tanta injustiça institucionalizada existente no nosso país. Isso não é ético.

Em tempo: Em 21 de junho de 2006, o número de presos no Brasil era de 361.402 pessoas, segundo levantamento divulgado pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN).[1] Atualmente estima-se que já sejam cerca de 400 mil, 99,99% pobres, negros e jovens. Há 20 anos atrás eram 20 mil.

Em um mundo onde as pessoas temem mudar e, para conservar as suas quinquilharias defendem a destruição de pessoas, assistimos patéticos e amedrontados construir teias de controle e repressão que muito em breve se voltarão contra todos. Basta olharmos a história, quer a recente, quer a mais distante. A medida olha para o futuro, só que pelo retrovisor!

A questão não se limita a uma tornozeleira, mas, principalmente, ao fato de que este é mais um passo dentro de um sistema inviável de controle, consumo e repressão: qual será o próximo passo? Depende de nós que este passo não seja dado, para que então o próximo passo não seja ainda mais para trás, nos retirando ainda mais a dignidade do humano.

Coitados desses poderosos coitados. Pensam que podem fazer justiça social com direito penal.

quinta-feira, 25 de março de 2010

O direito, a paz e a justiça


Pergunta e responde, ao mesmo tempo, magistralmente, Francesco Carnelutti, jurista romano, em discurso pronunciado no Instituto Veneziano de Ciências e Artes, em 2 de junho de 1935.

"Qual é o bem que com o direito os homens procuram alcançar?

Não há no mundo bem maior.

Esse bem é a paz.

Nenhuma palavra tem, no próprio som, uma expressão tão completa de saciedade: paz. Nem a riqueza, nem o poder, nem a glória valem e duram se não trazem consigo a paz.

Ela traz como que uma sensação de serenidade.

A paz é o bem supremo, é ela a condição para o gozo de todos os outros bens.

A medida que a paz interior cresce no coração do homem o direito passa a ser menos necessário. Por enquanto ele é necessário, no atual estado do homem, para se alcançar a paz.

A paz se não é justa não é paz. A justiça não é a paz, mas é condição da paz. Paz e justiça andam juntas.

O direito só tem valor se for justo.

A justiça é o que dá valor ao direito e a paz. É beleza do direito e da paz.

A justiça é a divina substância. A presença de Deus em cada um de nós. Bem-aventurados aqueles que nela avistam a glória de Deus.

Do livro Discursos sobre o Direito, de Francesco Carnelutti

quarta-feira, 24 de março de 2010

Processo civilizador e manutenção da ordem social: há paralelismo entre eles?

“Colocaram numa jaula cinco macacos, uma mesa e, acima desta, um apetitoso cacho de bananas pendurado no teto (acessível apenas àquele que estivesse em cima da mesa). Entretanto, sempre que algum dos macacos subia na mesa para pegar bananas, os outros quatro recebiam um jato d’água fria de alta pressão. Não tardou para eles descobrirem a relação causal entre subir na mesa e pegar bananas e o banho frio, isto é, que pegar bananas produzia como conseqüência banho gelado, dessa forma os macacos que ficavam embaixo passaram a punir com uma bela surra aquele que se aventurasse a subir na mesa. Passadas algumas surras, nenhum deles mais tentava pegar bananas, embora elas estivessem lá disponíveis ao alcance de qualquer um deles.

Quando esse condicionamento (memória) já estava bem estabilizado, começou a segunda fase do experimento: os cientistas substituíram um daqueles cinco macacos e extinguiram os banhos de água fria… O resultado imediato foi que o novo indivíduo foi imediatamente se servir das bananas e, quando desceu da mesa, levou uma grande surra! Embora não houvesse mais banhos, os macacos ainda surravam quem subisse na mesa. Rapidamente esse novo membro do grupo concluiu que as bananas geravam um grande desconforto e abandonou as tentativas (embora nunca tenha visto uma gota de água sequer). Sucessivamente os cientistas passaram a substituir cada um dos outros quatro indivíduos, um por um, do grupo original (que tinham tomado banho frio e que começaram a aplicar as surras). Até que cada novo membro tivesse aprendido a não mais pegar as bananas e também, a surrar aquele que tentasse subir na mesa. Quando finalmente todos foram substituídos, observou-se que os cinco macacos presentes na jaula, ainda que nunca tivessem tomado banho frio, mantinham o hábito de surrar qualquer
um que tentasse pegar as bananas, e por si mesmo, nenhum deles mais arriscava subir na mesa.”

Uma leitura possível do famoso experimento é capaz de reafirmar que a instituição de comportamentos semelhantes tidos como desejáveis para os indivíduos em uma sociedade reflete a existência da coerção social, uma espécie de força exercida sobre esses indivíduos que os impele a se conformarem às regras e padrões estabelecidos coletivamente, os quais antecedem às ações individuais. A sociedade é um todo orgânico, estruturado a partir da sociabilidade e, conseqüentemente, da emergência da consciência coletiva entre as partes que, de modo interdependente, desempenham funções a elas determinadas com vistas à manutenção do todo, reforçando a preponderância da totalidade sobre a soma das suas partes.

As condutas desviantes, recorrentes no seio das sociedades, suscitam questões problemáticas, pois rompem os laços que ligam os membros do grupo entre si e fragilizam os laços que unem o próprio grupo, comprometendo a estabilidade social. Àqueles que se comportam de forma indesejada e não esperada pelo grupo, é atribuída uma punição, que se tornaria um meio de investigação das falhas das instituições sociais no processo de formação moral do indivíduo, tendo-se em vista os objetivos que se pretende alcançar com a sanção a ser imposta ao membro que rompeu a coesão moral. Nesse sentido, o corpo social repensaria ações para restabelecer a ordem, a normalidade, posto que o comportamento ofensivo aos sentimentos coletivos deve se submeter a uma resposta, a qual será tanto mais evidente e passional em sociedades mais primitivas. Nessas sociedades, a pena tem um fim em si mesma, já que é influenciada pelo instinto de vingança e por atos de defesa expressados pelos membros do corpo social.

Para além do teste feito com os macacos, análises feitas sobre o processo de evolução por que passaram as sociedades demonstram que esse produziu reflexos no aparato punitivo construído nessas comunidades. Percebe-se que o referido aparato adquiriu caracteres de política pública, consolidando-se em torno da pena o caráter da correção. O pensamento de que os direitos e interesses coletivos têm primazia sobre os individuais e de que é dever do Estado zelar por todos eles de forma centralizada por meio da formulação e execução de políticas públicas, segundo os valores e sensos de justiça, paz e igualdade entre os cidadãos, norteou as modificações ligadas à concepção da pena e da sua função na sociedade e sobre o indivíduo que a ela se submete.

Um comportamento não é crime em sua origem, mas somente a partir do momento em que se enquadra nessa categorização, transmutando-se em objeto de controle. O entendimento de que alguns comportamentos são desviantes pressupõe que se institucionalizaram padrões de condutas concomitantemente à própria formação das sociedades. Com vistas a preservar essa padronização, os mecanismos de controle social são variados, seguindo critérios como a severidade da punição a ser imposta ao desviante ou a abrangência do grupo visado. Interessa destacar que o Estado-nação moderno fundou o controle por ele exercido na monopolização do uso da violência e da vigilância à medida que garantia a pacificação interna e crescia administrativa e burocraticamente.

A manutenção da ordem pública se transformou em bem coletivo na sociedade moderna como também atribuição estruturante do Estado, implicando controle social e zelo pelo patrimônio e pela integridade do cidadão. Diferentes tipos de crimes e de comportamentos típicos de criminosos exigiram respostas do Estado distintas, variáveis conforme o contexto analisado, materializadas na sanção e no repúdio contra esses desvios de comportamento, para os quais o Direito e seus institutos converteram-se em parâmetro à atuação do Estado.

A monopolização da força física e a estabilização de órgãos estatais centrais na sociedade moderna são fenômenos que ocorreram encadeados e em paralelo à consolidação do autocontrole mental de manifestação da criminalidade, assentada na imposição de barreiras culturais e psicológicas aos ímpetos de agressividade do ser humano. Paulatinamente, o controle social e a manutenção da ordem interna deixaram de ser operacionalmente descentralizados e privados, fundados na autoridade feudal, para se tornarem centralizados, calcados na autoridade estatal. O processo civilizador, pelo exposto, foi também um processo de racionalização, pois aspectos como a imprevisibilidade e a ansiedade nas relações entre indivíduos foram substituídos pela associação mais precisa no cálculo individual acerca das conseqüências dos atos desses indivíduos à legitimidade e confiança na capacidade do Estado para prover a ordem pública e garantir a sua autoridade.

A qualificação da ordem interna como problema público exigiu que a provisão dessa fosse percebida como um bem coletivo. O Estado assumiu, então, os encargos da provisão desse bem. A segurança pública adquiriu, pois, valor social, em razão da intensificação da interdependência social e da construção de uma consciência coletiva acerca da necessidade de o Estado se responsabilizar pela sua provisão. Desenvolveram-se arranjos coletivos de âmbito nacional e compulsório[1], com aparato burocrático específico para enfrentar condutas encaradas como criminosas e passíveis, pois, de punição.




[1] Esses arranjos dizem respeito às organizações policiais, ao sistema prisional e ao sistema judicial formalizado.


Experimento com macacos: essa é para se pensar. Disponível em .Acesso em 23 mar 2010.

GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 1974. 315p.

PAIXÃO, Antônio Luiz. Recuperar ou Punir?: como o Estado trata o criminoso. 2 ed. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1991. 87p.

RIBEIRO, Ludmila Mendonça Lopes. A Duplicidade de Gestão no Sistema Penitenciário: Conseqüências e Alternativas Para a Formulação de Uma Política Pública.

SAPORI, Luís Flávio. Segurança Pública no Brasil: desafios e Perspectivas. 1 ed. Rio de Janeiro: FGV, 2007. 206p.




terça-feira, 23 de março de 2010

PAZ E DIREITO: ABORDAGEM DA TEORIA CONTRATUALISTA EM FACE DAS CONSEQUÊNCIAS DO TERREMOTO NO HAITI

A grande catástrofe que assolou o Haiti, no dia 12 de janeiro de 2010, tem revelado, de forma empírica, a importância da aplicação das teses desenvolvidas no início da idade moderna por teóricos contratualistas, bem como em que medida o Direito, como conjunto de regras de conduta, pode alcançar a harmonia nas relações sociais.

Durante semanas após o tremor, aquele país demonstrou claramente o que Thomas Hobbes (1588-1679), filósofo inglês, queria dizer ao utilizar a expressão "estado de natureza" em sua obra Leviatã (1651).

Diante das ruínas, da falta de alimentos e da ausência do poder estatal materializado, os haitianos se regrediram em poucas horas ao estado onde o homem disputa todas as coisas por direito natural e absoluto.
A presença de saques a lojas, roubos em residências privadas, violência armada, bem como sequestros de pessoas, tornaram-se constantes na vida de milhares de pessoas daquele país. Esse fenômeno traduz a luta pela sobrevivência individual perante a ausência de uma ordem coletiva ou, pelo menos, a deficiência do contrato social ocasionada pela tragédia.

Hobbes parte da convicção de que o ser humano, em tempos primitivos, convivia fora da sociedade, sendo todos os homens iguais e essencialmente egoístas, tendo todos os mesmos direitos naturais e não existindo nenhuma autoridade ou lei. O estado de natureza foi, portanto, uma época de anarquia e violência.

Nicolau Maquiavel (1469-1527), outro contratualista, descreveu que o fundamental em uma nação é que os conflitos originados em seu interior sejam controlados e regulados pelo Estado, pois os homens são "ingratos, volúveis, simulados e dissimulados, fogem dos perigos, são ávidos de ganhar e, enquanto lhes fizeres bem, pertencem inteiramente a ti, te oferecem o sangue, o patrimônio, a vida e os filhos; mas quando precisa deles, revoltam-se" (MAQUIAVEL, 1513).

A Sociedade Civil haitiana mostrou-se, no período pós-tremor, desfacelada, sem aplicação de normas de conduta, com frequente violação da propriedade privada e insegurança na liberdade de ir e vir.

O conceito de Socieade Civil nas teorias contratualistas, sobretudos através das obras de Hobbes e John Locke (1632-1704), é entendido como sinônimo de Estado, contrapondo-se ao "estado de natureza".


Essa socieade seria um estágio mais avançado no qual os indivíduos viveriam após o estabelecimento do contrato social, subordinados a um governo baseado na imposição de leis. Haveria, dessa forma, civilidade nas relações, isto é, respeito pela autonomia individual, baseada na segurança e na confiança entre as pessoas. Essa civilidade requeria regularidade de comportamento, regras de conduta, respeito pela lei e controle da violência.
Apesar das convergências analíticas entre os referidos contratualistas, cumpre salientar que Jean-jaques Rousseau (1712-1778), autor da obra Do contrato Social (1762), abordou o "estado de natureza" de forma relativamente diferente dos outros. Ele afirma que o homem naquele estado, uma época primitiva, vivia feliz, livre e era essencialmente bom; a convivência coletiva é que o tornou escravo, mau e egoísta. Essa visão levou Rousseau a formular o que ficou conhecido futuramente como o mito do "bom selavagem".

Ainda segundo Rousseau, o verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou de dizer "isto é meu" e encontrou pessoas suficentemente simples para acreditar nele.

No momento em que a primeira pessoa cerca um pedaço de terra e diz que esse espaço é propriedade dele, surge o ódio e a ganância; e a paz é corrompida, conferindo lugar ao medo e ao ódio mútuo. A sociedade civil seria, portanto, marcada pela desigualdade social e política entre os seus membros. Daí a necessidade de se estabelecer um pacto, um contrato social, que permita construir uma sociedade política, ou seja, um Estado que seja guiado pela "vontade geral".

Essa "vontade geral" aduzida por Rousseau representa a suprema direção da sociedade, é aquela que traduz o que há de comum em todas as vontades individuais, ou seja, o substrato coletivo das consciências. Dessa forma, ela não se confunde com o somatório das vontades individuais.

A "vontade geral" liga-se ao interesse comum, ao passo que a vontade de todos atrela-se ao interesse privado, sendo a soma dos interesses particulares.

Na lição de Rousseau, após a realização do pacto, o dever do Estado é atuar no sentido de evitar o conflito e promover a paz social. Ele salienta, ainda, que para respeitar o contrato social, o Estado deve evitar extremos de pobreza e riqueza, regulando a desigualdade, para promover a igualdade.

De volta à análise concreta das consequências do terremoto do Haiti, pode-se afirmar que as instituições - normas de conduta, leis, base política etc. - daquele Estado não deixaram de existir em virtude da destruição dos elementos físicos, como repartições públicas e prédios de organização privadas, bem como pela morte de agentes públicos responsáveis pela garantia da ordem.

Todavia, há de se considerar que os prejuízos físicos ocorridos foram de tamanha magnitude suficiente para desestruturar a "vontade geral" daquela nação, e abrir espaço para o prevalecimento dos interesses individuais. Em outras palavras, a situação pré-estabelecida de equilíbrio entre o bem comum e os interesses particulares foi desconstituída, passando a realçar estes em detrimento daquele.

Apesar de haver um Direito - na acepção de ordenamento jurídico - estabelecido no Haiti para vingar a harmonia nas relações sociais e, consequentemente, a paz, os indivíduos não viam eficácia das normas perante um contexto no qual o poder estatal estava imobilizado, sem aparelho administrativo para atender a tantas demandas.

Se aquele país, antes da catástrofe, já dependia de ajuda internacional para impor a ordem social, como o apoio do Brasil, muito pior foi após o tremor do dia 12 de janeiro de 2010.

Pois além de afetar as estruturas físicas do aparelho do Estado haitiano, o terremoto também causou danos às organizações que se instalaram no país com o objetivo de promover a paz, como é o caso, além do Brasil, da Organização das Nações Unidas (ONU).

Por tudo exposto, algumas conclusões podem ser extraídas desse acontecimento que marcou a história da humanidade.

A primeira delas é que os indivíduos podem se regredir ao "estado de natureza" hobbesiano devido ao instinto de sobrevivência intrínseco à natureza humana. Eles podem, inconscientemente, atentar contra o pacto do contrato social e retirar da posse do Estado parcela da autonomia e liberdade individual lhe concedidas, prevalecendo os interesses particulares sobre a "vontade geral" ou bem comum.

Ademais, a simples existência de um ordenamento jurídico, ou Direito, não significa que haverá uma aplicação eficaz das normas e subordinação dos indivíduos. A paz não é, portanto, garantida única e exclusivamente pelo Direito. As instituições são de suma importância, sobretudo, para se evitar abusos contra a segurança jurídica. No entato, é preciso mais do que leis, torna-se necessário um equilíbrio interno a cada ser humano entre o interesse particular (desejos materiais, anseios e ambições) e o bem comum, que, como foi descrito anteriormente, não representa o somatório dos interesses particulares.