domingo, 20 de junho de 2010

Jurista Práticos x Filósofos

Não é preciso ser muito inteligente para perceber que, nos dias de hoje, as ações da filosofia estão em queda na bolsa de valores do mercado jurídico. Não é mesmo fácil compatibilizar o trabalho jurídico com as divagações filosóficas mais críticas, abstratas e especulativas. O filósofo gosta de questionar tudo; duvida de todos, até dele mesmo; não se conforma com explicações óbvias; tenta fugir do senso comum; desbrava caminhos intelectuais até então desconhecidos pela maioria das pessoas; critica por hábito; não se apega a modelos pré-estabelecidos, nem a normas impostas; elabora sistemas miraculosos, alguns beirando o absurdo, para explicar o inexplicável; vasculha novos horizontes para escapar da perspectiva unidimensional compartilhada pelo restante do “rebanho”; desenvolve argumentos incomuns e inusitados, alguns difíceis de serem digeridos; abala as convicções mais consolidadas; desconstrói dogmas; incomoda aqueles que seguem o pensamento dominante; faz pouco caso das autoridades, especialmente das intelectuais; irrita quem não gosta de pensar e faz tudo isso com prazer.

Já se nota a total discrepância entre os juristas práticos e os filósofos. O filósofo gosta de contemplar, de interrogar, de pensar; o jurista, de dar respostas e de decidir. Em geral, o filósofo hostiliza a técnica. Para ele, o grande prazer é tentar encontrar verdades absolutas, a essência das coisas, o mundo ideal, as coisas em si, o reino dos fins. São poucas as discussões filosóficas que terminam em consensos definitivos. É precisamente o contrário do que se espera de um profissional do direito: nós, juristas, temos uma mentalidade mais voltada para a solução imediata dos problemas. Possuímos uma ingenuidade consciente, ou seja, sabemos que as nossas soluções não são perfeitas, nem imutáveis, mas nos conformamos com elas, pois sabemos que algumas decisões inevitavelmente têm que ser dadas e não temos todo o tempo do mundo para ficar especulando sobre uma utópica verdade que nunca chega. Aliás, muitas vezes, numa atitude de auto-engano deliberado e consciente, sacrificamos intencionalmente a busca da verdade por uma questão de conveniência, deixando de lado questões fundamentais de justiça por motivos meramente formais. Para dar conta dessa ânsia de certeza, de celeridade e de eficiência, o trabalho jurídico tem se transformado em uma linha de produção mecanizada, onde a função dos “operadores do direito” se limita a encontrar a reposta pré-definida para os problemas que surgem. Se, por um lado, a automatização do raciocínio jurídico tem vantagens práticas inegáveis, por outro lado, ela possui um péssimo efeito colateral que é aa lienação. Perdemos o senso crítico e nos transformamos aos poucos em pessoas estúpidas que não pensam por conta própria, mas apenas seguem sem questionamentos, como robôs abobalhados, as instruções detalhadas que são impostas de cima para baixo.

Descobrir a verdade: eis o objetivo final de todo os nossos estudos. Procurar a verdade significa, antes de tudo, ter consciência de que a verdade absoluta jamais pode ser atingida, pois nossas capacidades intelectuais são extremamente limitadas enquanto que a nossa ignorância se expande progressivamente ao infinito. Isso não significa, contudo, que devemos desistir de tentar conhecer o mundo que nos cerca.

Devemos, pelo contrário, buscar a verdade, ainda que na maioria das vezes

possamos falhar por uma larga margem. Se nos abrirmos para o pensamento filosófico, será certamente muito mais crítico com a própria atividade, tolerante com o ponto de vista alheio e disposto a reconhecer os próprios erros, o que nos fará evoluir drasticamente não só do ponto de vista individual, mas também como membro de uma coletividade plural que evolui com o debate de idéias. Isso aumentará a qualidade do raciocínio e também da capacidade de justificar as opiniões perante os pares.

Muita coisa mudará, provavelmente para melhor. Um novo mundo se abrirá à nossa frente. E tudo isso não depende de mais ninguém: é uma escolha íntima e pessoal.

Ref: George Marmelstein

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