Inicio o presente texto utilizando-me de uma célebre frase de Rudolf Von Ihering que afirma: “A paz é o fim que o direito tem em vista, a luta é o meio de que se serve para o conseguir”.
A idéia subjacente a tal afirmativa é a de que o direito, o ordenamento jurídico vigente, é resultado de um processo histórico marcado pelo conflito, onde os interesses de grupos humanos diversos, na maioria das vezes opostos, se equilibram na busca de uma convivência pacífica. Para o autor, não há como negar a importância e o papel dos conflitos para a consolidação de uma ordem jurídica embasadora da convivência, por meio da qual os objetivos e necessidades são alcançados.
Nesse sentido, não é possível falar, portanto, num estágio civilizatório em que reinaria a paz, em seu sentido absoluto e abstrato, já que os grupos humanos constroem para si necessidades diversas, e, em regra, de forma não conciliadora, mas por meio de relações de poder e de força.
Essa forma de entender a relação entre “Direito e paz” configura-se como elemento essencial para desmistificar o papel dos movimentos sociais no contexto hodierno, especialmente em sociedades marcadas por elevado nível de desigualdade social e econômica.
Em regra, quando grupos marginalizados da/na sociedade brasileira (índios, negros, sem terras, sem trabalho e outros) se organizam para lutar pela efetividade dos direitos estampados na Constituição da República, estes são rotulados como baderneiros e violentos, como “fora da lei”. Assim, numa tentativa de desqualificação e criminalização da participação política popular, esta deixa de ser percebida como uma forma de “luta pelo direito”, sendo tratada como “caso de polícia” e como organização criminosa.
Todavia, uma análise mais detida da história brasileira nos permite afirmar que os movimentos sociais muito contribuíram para impulsionar e provocar rupturas junto aos setores que concentram e se negam a distribui riquezas. Portanto, não como há como negar sua relevância e imprescindibilidade na realidade política atual, pois configuram-se como uma forma ou estratégia de organização de parcelas da sociedade civil, desempenhando uma ação coletiva de caráter contestador, no âmbito das relações sociais, objetivando a transformação ou a preservação da ordem estabelecida na sociedade.
Os movimentos sociais, utilizando os fundamentos do Estado democrático de Direito instituído por meio da Constituição da República de 1988, busca o estabelecimento de uma interlocução com o Estado/Governo para que este responda às reivindicações e necessidades de grande parte da sociedade, integrando cada membro à ordem da cidadania e dos direitos individuais e coletivos.
Estas reflexões muito bem se aplicam à discussão acerca do regime democrático, pois para a construção da democracia é imprescindível a existência de instituições políticas sólidas, confiáveis e coesas e, principalmente, o pleno desenvolvimento das organizações sociais, o que significa a transformação dos indivíduos em membros integrantes da sociedade, capacitando-os ao exercício de direitos e deveres e à tomada de decisões sobre ações e destinos das instituições/organizações nas quais tomam parte.
Portanto, os movimentos sociais contribuem para a consolidação de uma convivência pacífica na medida em que são uma forma de luta pela ampliação do acesso de todos ao espaço político e aos benefícios do desenvolvimento econômico, tornando-se uma das grandes possibilidades de mobilização coletiva, e conferindo aos indivíduos aprendizagem política por meio de uma participação consciente, autônoma e ativa.
Referência: IHERING, Rudolf Von. A Luta pelo Direito. 18ª edição. RJ: Editora Forense, 2000.
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