segunda-feira, 5 de abril de 2010

Quando a vida se torna uma violência contra o viver

A eutanásia é uma das questões principais quando o assunto é bioética. Difere-se da ortotanásia e da distanásia. Na ortotanásia não se antecipa a morte, apenas se suspende os meios artificiais que mantêm viva uma pessoa, quando naturalmente iria falecer. Na distanásia ocorre justamente o oposto, emprega-se todas as formas possíveis de terapia para manter vivo um paciente em estado terminal. Já a eutanásia visa antecipar a morte de um paciente atendendo a sua vontade expressa e manifesta, no ensejo de evitar sofrimentos para ele insuportáveis ou uma existência penosa que ele julga desnecessária ou sem sentido. Na antiguidade greco-romana era reconhecido o direito de morrer, o que proporcionava aos doentes desesperados e sem esperança pôr fim à própria vida, muitas vezes com ajuda de outras pessoas.
A sacralização da vida foi introduzida com o cristianismo, que passou a considerá-la como um dom de Deus que deve ser preservado a qualquer custo. O direito moderno parece ter introjetado essa visão e coloca a vida não só como o bem jurídico mais valioso, mas também irrecusável, indisponível e tutelado pelo Estado até mesmo contra a vontade do indivíduo. Tomar a vida como bem supremo acaba não somente por proibir a eutanásia, mas também por aderir à distanásia, impondo ao paciente sofrimentos muitas vezes desnecessários, ou até mesmo o considerando como uma oportunidade terapêutica, desafio clínico ou apenas como um caso rentável.
A reforma do Código Penal prevê, no anteprojeto, as seguintes alterações no art. 121:
§ 3º Se o autor do crime agiu por compaixão, a pedido da vítima, imputável e maior, para abreviar - lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave:
Pena - Reclusão, de três a seis anos.
§ 4º Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente, ou na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão.

Com a mudança proposta, a ortotanásia passa a ser formalmente admitida e a eutanásia continua taxada como conduta típica, ilícita e culpável.
Algumas reflexões podem ser feitas: assegurar a vida a qualquer preço, prolongando sofrimentos, não seria uma forma de violência ou tortura? Viver é o mesmo que sobreviver? Simplesmente colocar a vida como bem sagrado impede guerras, pena de morte, mortes por inanição? Embasado no princípio da autonomia, o indivíduo não teria o direito de tomar decisões acerca de sua própria vida? Cabe ao Estado tolher esta liberdade? Existe mesmo o dualismo morte/vida ou se trata de um processo contínuo e natural? Viver é um direito ou um dever? Poderíamos falar em direito de morrer?

Bibliografia: Revista Ciência e Vida - Filosofia. Ano IV, nº 38

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